Martins Domingues - Colaborador Tribuna |
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Somos há muitos anos um país de emigrantes e, por isso, compreendemos bem todas as emoções de quem vai à procura, noutro país, da realização de um sonho de uma vida. E foi com este conhecimento secular que soubemos acolher e integrar alguns milhares de migrantes para construir a Expo›98 e os estádios de futebol para o Europeu de 2004.
Com o desenvolvimento da agricultura intensiva e superintensiva, em diversas regiões do nosso país, a falta de mão de obra, para fazer face às necessidades desta atividade, tornou-se dramática e só tem sido colmatada pela presença de um número significativo de migrantes.
Por isso, nos últimos anos, chegaram a Portugal migrantes da Moldávia, da Índia, do Nepal, do Bangladesh, do Paquistão, entre outros, sendo que uma boa parte deles apenas usa o nosso país como porta de entrada para a Europa. Outros há que querem trabalhar aqui, seja na agricultura ou noutra área qualquer para darem corpo ao sonho de uma vida. Há, também, os que vêm apenas à procura de ganhar algum dinheiro e regressar aos seus países de origem. E ainda há aqueles que “exploram” os seus conterrâneos a troco de alguma segurança institucional e apoio logístico.
Esta realidade revela que estamos perante redes de migração ilegais e de tráfico humano. E, não fora a cerca sanitária decretada pelo Governo a duas Freguesias no Concelho de Odemira, tal situação não seria, de todo, conhecida.
Tudo isto aconteceu quando a presidência portuguesa do Conselho Europeu estava a realizar a Cimeira Social, na cidade do Porto. Reconheço que não deixa de ser um paradoxo o Primeiro Ministro querer melhores direitos sociais para os trabalhadores da União Europeia (UE), enquanto assistimos ao drama vivido pelos migrantes em Odemira, situação que, de resto, considera como «uma gritante violação dos direitos humanos»!
Sabemos que em diversos países da UE há muitas situações de sucesso de integração de migrantes. Mas também sabemos que muitos deles, como acontece em Odemira, passam por situações de exploração e violação dos direitos humanos. E é esta situação de exploração humana que não dignifica o Projeto Europeu que, mesmo assim, tem o melhor modelo social, que é valorizado, tanto pelos trabalhadores europeus, como pelos trabalhadores do resto do mundo. Acresce que neste tempo globalizado, ele transmite esta realidade social muito para lá das fronteiras dos países que o compõem, tornando-se num sonho que chega a milhares de jovens de vários pontos do mundo que pagam milhares de euros às redes de migração ilegal para os colocarem nos países da Europa, para aí trabalharem e construírem os seus projetos de vida.
Porém, os obstáculos são muitos para realizar este sonho. Por um lado, basta olhar para a quantidade de migrantes que já perderam a vida na travessia do mar Mediterrâneo. Por outro lado, vai-se negando a entrada a milhares de migrantes que são obrigados a ficar retidos dentro das fronteiras de países vizinhos da UE, como é o caso da Turquia, Marrocos e Líbia, a troco de milhões de euros. Com isto apenas se está a adiar um dos maiores dramas da migração do século XXI (que mais parece uma nova escravatura) ao qual se juntarão, num futuro próximo, todos aqueles que já estão a ser atingidos pelas alterações climáticas e, naturalmente, vão engrossar a lista das redes de migração ilegal!
Voltando à Cimeira Social realizada, sob a presidência portuguesa, na cidade do Porto, quero acreditar que não foi um acto de retórica, mas um sinal claro da revalorização e de vitalização do modelo social da União Europeia. Para tal, é fundamental que esta adote, para a migração, uma política comum (aos 27 países) no sentido de ser mais eficaz, mais segura e mais humanitária. Assim, terá que conseguir integrar social e culturalmente todos os migrantes que já nela trabalham, bem como todos aqueles de que necessita, caso contrário, o modelo social europeu, para milhares de migrantes, continuará a ser um sonho adiado, quando não é um pesadelo ou a perda da própria vida.